Crônica #138 | A carta de Natal.
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O encontro além do encontro: Presença.

O que você encontrará nesta crônica:
"Se o ano te cansou com marcas e feridas, se dezembro aperta o peito e o coração corre sem direção, esta crônica pode ser um lugar para respirar. Talvez seja hora de desacelerar.
Há encontros que nos interrompem porque precisamos parar. E alguns lembram que o Natal começa muito antes, nos pequenos gestos que podem iluminar um dia e, às vezes, um coração.
Dezembro sabe juntar cacos e reunir o que se partiu.
Às vezes, basta uma chuva inesperada, uma porta que se abre ou uma voz acolhedora para revelar um caminho que nem sabíamos estar procurando.
E se o que você procura já estiver vindo ao seu encontro?"

I. O coração fechado.
Dezembro chegou como se tivesse dobrado a esquina do tempo apressado.
O céu se fechou, o temporal caiu e, como um aviso de que o ano estava prestes a terminar, a chuva pareceu colocar-me, propositalmente, em um estado de espera. Sem guarda-chuva para aquela repentina e quase impaciente chuva de verão, senti-me despreparado, como tantas vezes estamos diante das pausas que a vida nos impõe, e talvez porque certas pausas simplesmente não se planejam mesmo.
Meu coração batia no ritmo das obrigações e da agenda de tarefas. A chuva desabava com força, como se quisesse lavar nossas pressas humanas. Parei e fiquei encostado na entrada, sob a cobertura de um restaurante fechado. Restou a mim, então, apenas esperar; e me cobrava por ter esquecido o guarda-chuva, do mesmo modo por tantas outras pequenas proteções ao longo do ano. Enfim, talvez raramente estejamos preparados para aquilo que nos interrompe.
Estava no meio da manhã, então fiquei observando a cidade se encharcar. Do outro lado da avenida, uma coreografia desordenada mostrava passos apertados, guarda-chuvas tortos, pessoas tentando, como eu, escapar da água que caía com força. Cada um estava, em silêncio, atravessado por suas próprias urgências. Eu via o reflexo da minha própria inquietação, enquanto dezembro me lembrava das coisas que fomos adiando ao longo do ano.
As árvores, agitadas pelo vento, porém, pareciam acenar com alegria, celebrando, como se a chuva lhes libertasse do peso invisível dos dias, junto com o pó acumulado em suas folhas. Um pequeno cão se encolhia debaixo da barraca de um vendedor ambulante, ambos buscando abrigo, cada um à sua maneira. O mundo estava em movimento, embora eu estivesse ali parado. Minha mente inquieta pensava no tempo, esse que fica a nos falar quando nos obriga a parar. Pensava também no céu, imaginando que ele jamais derrama água sem um propósito.
Senti então um toque leve nas costas. Era uma senhora de sorriso fácil, que abriu a porta que eu não esperava que se abrisse:
- “Entre, meu filho. Ainda não abrimos, mas ficar aí fora, assim, não é vida.”
Convidou-me a entrar, mesmo não sendo horário de atendimento do restaurante. Agradeci o convite e aceitei sua gentileza. Ainda assim, preocupado com o tempo curto do dia, continuei a olhar a avenida através do vidro.
Aquela senhora estava ajeitando uma árvore de Natal ao lado da entrada do restaurante e disse, com uma suavidade que parecia misturar fé e encantamento:
- “Deus vive mandando uns recadinhos pra gente, né, meu filho? Ah... eu gosto tanto dessa época do ano! Parece que tudo fica mais bonito. Até a natureza parece que se arruma pra receber o Natal, não é assim?”
Ela continuou falando sobre sua rotina daquela semana. Eu ouvia sua voz serena mas, permaneci em silêncio, apenas voltei o olhar em sua direção, embora ela estivesse meio oculta atrás dos galhos da árvore. Balancei a cabeça afirmativamente. Por dentro, minha mente seguia focada, presa aos compromissos, à chuva e ao relógio apertado. Meu coração ainda estava fechado, incapaz de entrar naquele ambiente interno que aquela senhora parecia enxergar com tanta clareza.
Confesso que não estava muito atento às suas palavras, mas, de repente, senti que sim: que as palavras dela faziam sentido dentro deste último mês do ano. Talvez aquela chuva, aquela pausa com o encontro inesperado e até mesmo minha inquietude tivessem sido formas de me lembrar da necessidade de desacelerar. De me preparar para algo maior, algo que dezembro faz todos os anos. Ele nos obriga a rever prioridades, a criar espaço interno para nos colocarmos diante de nós mesmos. E isso gera pequenas brechas, pequenos pontos de respiração que nos permitem nos ajustar por dentro.
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Il. O brilho da Estrela Branca.
E, de certo modo, o Natal nasce nesses detalhes, tão simples quanto uma porta que alguém escolheu abrir para nós.
- “Meu filho, você pode me ajudar a colocar a estrela lá na pontinha?”
Foi então que eu a reparei por completo. Usava um avental rendado e colorido, daqueles que lembram casas antigas, e um protetor de cabelos preso com cuidado. Os olhos, de um azul da cor do céu de primavera. Seus óculos estavam presos por um cordão simples.
- “Claro! Me desculpe pela distração, minha senhora.”
Deixei o envelope de documentos e o celular sobre a cadeira e fui ao seu encontro, pronto para ajudá-la.
- “Diga, meu filho, qual dessas estrelas fala mais com o seu coração?”, perguntou, segurando as duas com um cuidado que parecia antigo.
- “As duas ficam boas ...”, respondi, tentando ser cauteloso para não interferir na sua escolha. Ela sorriu com uma serenidade que parecia saber mais do que deixava transparecer.
- “Cada escolha tem um significado, sabia?”
Engraçado foi como aquela frase caiu sobre mim como um pequeno enigma. Minha mente, ainda agitada pelos compromissos do dia, tentou procurar o sentido do que ela dizia.
- “Está bem! Escolho a estrela branca.”
Subi no pequeno apoio indicado por ela e a coloquei no ponto mais alto da árvore.
A senhora continuou ajeitando a árvore enquanto a chuva lá fora diminuía. Não havia cessado, mas estava mais mansa, já quase tímida. Sentei-me numa das cadeiras quando ela disse, sem me olhar, como se falasse para a árvore, para a chuva, para o vento ou para alguma presença invisível que também nos escutava:
- “O Natal aproxima as pessoas, meu filho, mesmo quando elas juram que não têm tempo para nada. Sabe..., muita gente pensa que o Natal é um único dia mas, se a gente prestar atenção, ele começa bem antes. É preciso fazer umas paradas de vez em quando, só para sentir de verdade.”
Continuei em silêncio, percebendo que tudo o que eu precisava naquele momento era apenas ouvir.
E ela continuou:
– “Os encontros mais importantes não são combinados. São dados...”
Olhei para ela, tentando entender como algumas pessoas possuem uma espécie de sabedoria mansa, daquelas que não insistem em ensinar ou convencer, mas que, pela maneira de existir, tocam onde as palavras comuns não alcançam.
Foi então que ela voltou os olhos para mim e perguntou:
- “E você? O que a chuva de hoje veio te mostrar?”
Eu, meio sem jeito, não consegui encontrar uma resposta pronta; afinal, minutos antes, tudo o que eu queria era apenas chegar logo aos meus compromissos. Aquela pergunta exigia uma pausa, abrir um lugar interno. Respirei fundo e percebi, com uma honestidade quase infantil, que não sabia. Ou talvez soubesse, mas ainda não conseguia dizer.
Hesitante, murmurei:
- “Talvez... eu precise reaprender a olhar para as coisas!”
Aquela senhora de sorriso fácil devolveu-me um sorriso sem pressa, como que reconhecendo um fio de verdade recém-descoberto:
- “É assim que o Natal começa”, respondeu.
A estrela branca no topo da árvore ganhou outro sentido quando ela contou, com carinho, que era a preferida de sua mãe, que ainda vivia em uma pequena cidade do interior. Em todos os Natais, dizia ela, a família sempre se reunia. Mesmo que a vida tivesse seus desencontros, sempre havia uma força que puxava todos de volta para o mesmo centro: a casa de mamãe.
E então, ali na entrada do restaurante, com a árvore de Natal montada, a estrela branca brilhava lá no alto. As luzes coloridas piscavam em um delicado ritmo contínuo, como pequenos reflexos da alegria e da magia discreta que pairavam naquele instante.
Parecia-me uma celebração daquela verdade simples: às vezes, o que nos orienta não é a estrela em si, mas a memória de quem a acendeu antes de nós.
Ao me despedir, a senhora inclinou a cabeça, ajeitou os óculos e, num tom quase maternal, disse:
- “Obrigada por colocar a estrela, meu filho. Agora vá... mas vá devagar. Dezembro não combina com pressa.”
Agradeci. Queria retribuir tanta gentileza, mas meu gesto saiu meio desajeitado, como o de quem recebeu mais do que esperava. Saí para a rua sentindo-me mais leve, com um silêncio bom acomodado dentro de mim. Carregava comigo tanto as palavras dela quanto o brilho tranquilo da estrela branca lá no alto da árvore.
Caminhei devagar. O ar estava mais limpo e a chuva já era apenas uma fina garoa. O movimento da avenida retomava seu ritmo, mas meu coração já não tinha tanta pressa. A pausa inesperada havia me tocado: a porta que se abriu, aquela senhora, a tempestade, tudo parecia fazer parte de um cenário que eu jamais teria imaginado.

lII. A carta de Natal.
Foi nesse fluxo de pensamentos que o celular vibrou. Uma notificação. Era uma mensagem de uma amiga de longa data, daquelas almas que conversam com a nossa mesmo quando o tempo passa demais, que resistem como raízes antigas e sempre chegam na hora certa, como pequenos sinais na estrada, surgindo nas transições da vida.
Abri a mensagem. As primeiras palavras pareciam continuar exatamente a delicadeza daquele encontro inesperado e do que eu acabara de viver. Senti que havia ali uma sincronicidade, como se o universo estivesse prolongando aquela experiência, dizendo-me a mesma coisa por vozes diferentes. Era como se a vida desse continuidade natural ao movimento interno que já estava acontecendo.
E, de repente, tudo naquela manhã parecia parte de um mesmo fio:
“Olá, meu grande amigo. Esta mensagem, que na verdade não se chama encerramento, mas continuação dos nossos fios entrelaçados, gostaria de aproveitar este momento para deixar um convite muito especial.
O Natal se aproxima. Um tempo que carrega o símbolo do nascimento, da esperança, do recomeço. E recomeçar… ah, como essa palavra vibra forte dentro de nós. Recomeçar é mais do que virar a página. É renascer com ela. E, quando falamos de renascimento, falamos também de algo poderoso que ocorre na teia cósmica: o encontro.
Sim, o encontro.
Nesta época do ano, milhares de lares se enchem de luzes, sorrisos, abraços e, principalmente, de presença. Presença real, não apenas de corpo, mas de espírito. E, quando as famílias se reúnem em amor sincero, as energias se alinham, os fios se fortalecem e as correntes se quebram. A luz se expande com mais facilidade porque encontra morada nos lares que se unem em verdade.
Por isso, deixamos aqui um pedido com perfume de saudade e desejo de renovação: que sua família, e a família dos seus queridos, considerem com carinho a possibilidade de estarem juntas neste Natal. Em comunhão.
Em unidade.
Em luz.
Não pela obrigação das datas, mas pelo poder que existe quando almas comprometidas com a verdade e com a libertação espiritual se sentam à mesma mesa. Seria como reacender uma fogueira antiga que, mesmo entre ventos e chuvas, nunca se apagou de fato. Estar juntos nessa noite seria um gesto espiritual de fortaleza. Uma escolha de fé.
Nós mesmas, aqui, estaremos reunidas com aqueles que foram enviados à nossa vida com propósito. E sentimos, no vento da teia que sopra por entre os laços da aurora espiritual, que esse encontro entre vocês pode ser mais do que um jantar… pode ser uma resposta.
Queridos, não pedimos por datas.
Pedimos por reconexões.
Não pedimos por presentes.
Pedimos por presenças.
Estar juntos neste Natal não é apenas celebrar um nascimento do passado, mas permitir que algo novo nasça no presente. E, quem sabe, que seja neste Natal que todos vocês, família em espírito, possam presenciar o florescer de uma nova etapa dessa jornada que temos trilhado juntos há tanto tempo.
Fica o convite, deixado com o carinho das asas que voam sempre por vocês.
Muita energia positiva emanará desse encontro.
Com amor e esperança de reencontros,”

lV. Reencontros de família.
Fiquei algum tempo meditando sobre essa mensagem, sentindo como quem encerra um capítulo que ainda continua vibrando por dentro. Aos poucos, percebi ali um fio invisível ligando cada acontecimento: a chuva que me reteve, a senhora que me acolheu, a estrela que escolhi, a carta que chegou, todos falando diretamente a um lugar em mim que precisava ser lembrado.
E esse fio, delicado e firme, me conduziu de volta a uma verdade que só amadurece com a vida: encontros curam. Os encontros são respostas, respostas que mostram onde precisamos de acolhimento, de perdão, de presença ou de reconexão. Eles lembram que a vida nos escuta, mesmo quando nos perdemos em distrações.
Existe uma sabedoria maior que une caminhos. Ela revela que o sentido da existência se tece nesses encontros que nos alinham e nos resgatam. Encontros que nos devolvem a nós mesmos, reorganizando o que estava adormecido ou disperso. E fortalecendo, com delicadeza, aquilo que estava frágil.
Esses encontros têm força de cura e de propósito, e provam que nada é aleatório quando duas almas se reconhecem.
Foi então que compreendi, com uma serenidade nova, que família tem muitas formas; é um conceito mais amplo do que qualquer árvore genealógica poderia desenhar. Não é apenas um laço de sangue ou quem nasce da mesma origem, mas um laço de espírito, aqueles que caminham no mesmo sentido. Há, portanto, famílias de sangue, de escolha, de alma, de vida.
E, quando falo de lares, não me refiro apenas aos cheios. Falo também daqueles construídos a partir de dois corações, ou até de um único coração. Falo dos lares habitados por amigos, vizinhos, animaizinhos que aquecem a alma, ou por alguém especial, onde se é casa um para o outro. E até daqueles lares em que o silêncio aprendeu a ser companhia...
Todas as famílias são válidas, e todas são dignas de luz.
Que, em cada forma de lar, nos cheios, nos pequenos, nos silenciosos, aconteça o Encontro: aquele que não depende de calendário mas, que se manifesta quando há presença sincera, verdade, coragem e luz suficiente para aquecer o que ainda aguarda para nascer em cada um de nós.
E você, em seu coração, o que tem pedido, em silêncio, para nascer?
Que este Natal seja mais do que uma data; que seja um convite à presença, à reconexão e à cura!
Que seja um fio luminoso conectando corações, onde cada gesto, cada palavra, cada abraço, planejado ou inesperado, se transforme em um Encontro que cura, desperta e faz florescer o amor adormecido em nossos corações.
Feliz Natal, amados, a cada um de vocês, seres únicos e essenciais, que compõem a beleza da nossa grande e iluminada família!

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Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.












