Coragem ou imprudência. Eis a questão!
Moro num residencial composto por casas, muito tranquilo e propício para belas caminhadas. Em frente a minha casa, uma pequena pracinha e com a rua de menor movimento de todo condomínio. Essa rua tem uma parte plana, seguida de um ligeiro declive quase imperceptível.
Certo dia vejo um pequeno grupo de crianças e os adultos sentados sob a sombra da mangueira da pracinha. De pé, um homem gesticulando como se fosse um palestrante. Depois de um bate papo, eles vão alegremente até ao veículo estacionado e o homem retira uma sacola. Como se fossem presentes de natal, curiosos e empolgados se juntam ao redor daquele homem. Num trabalho alegre e ao mesmo tempo enérgico, ele controla a situação das crianças. Ele era um instrutor de patins. Percebo que eram marcadas duas aulas práticas na semana.
Pacientemente os pais uniformizam os pequenos com luvas, capacete, cotoveleiras e joelheiras. Equipados e parecendo patinhos fora d’água se inicia a aula. A primeira aula foi engraçada. Reclamações, risadas, tombos, gritaria, fazendo um mix de incentivos das mães que acompanham os movimentos estranhos ainda. Minha observação me rendeu uma grande lição.
Entre o grupo de meninos, já quase na pré-adolescência, uma garotinha se distava dos demais. Não aparentava ter mais que cinco a seis anos. Os meninos, no seu estilo “vamos que vamos”, já partiram para a parte prática. Consequentemente, vários tombos e arranhões. A garotinha bem mais cuidadosa pediu ajuda da mãe para os seus primeiros passinhos. Ela segurava firme com as duas mãos demonstrando medo e insegurança; o desconhecido estava ali diante dela.
Foi um exemplo de coragem!
Como coragem? Corajosos são os meninos que partiram aos tropeços arriscando já uma descida... é o que a maioria vai dizer.
Engana-se.
Ter coragem não é ter impulsividade, não é a ausência do medo e muito menos entrar na postura do “vamos que vamos”. Podemos dizer que é imprudência e não coragem. A imprudência não dá espaço para se analisar a razão. Não há tempo para ter razão suficiente para se saber se deve ou não fazer
Coragem não tem nada a ver com sorte. Coragem vem de Core, de “Coração”. É agir com o coração e com amor. O sentimento de amor é capaz de romper barreiras travadas pelo medo, é onde surge uma expansão, uma abertura para as situações ou mesmo para a vida, falando de uma maneira mais ampla. Independente das situações limites de desejos, de prazer ou de uma dor que possam vir, a coragem nos capacita manter o domínio da razão, de seguir as ordens da razão, do que realmente deve ser feito. É a prudência se antecedendo, analisando, escolhendo com sagacidade para dar passagem à ação da coragem.
E dentro desse conceito, ela é um elemento que dá chance de pensar em uma saída planejada, estratégica e com audácia tomar uma decisão mais assertiva. A coragem tem aversão à inércia, só tem sentido quando está unida com ação.
Coragem é um ato.
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É ela também que nos tira da inércia, do conforto, do prazer ou mesmo da preguiça para enfrentarmos nossos medos, desafios ou mesmo nossos defeitos.
Ao se seguir a razão, as virtudes, aos princípios; haverá o fortalecimento do ponto de apoio interno. Se assim formos capazes de determinar nossos valores, teremos como escolher o elemento que nos dará a estruturação de liberdade e determinação do que pode ser nossa vida. A segurança vai se fortalecendo e o medo vai ficando mais tímido. Porém, sempre surgirão novos medos, é meio que inevitável nessa vida. A cada apego que vai surgindo novos medos vão aparecendo e assim continua nossa jornada. Ter medo faz parte do ser humano, não existe pessoa que não tenha medo de nada. Ele é importante até para nossa sobrevivência, pois sem ele ficaríamos vulneráveis. Ele age como um sinalizador que dispara um alerta... “prepare-se que lá vem um tsunami!”
Não devemos confundir medo com pânico. Pânico é algo mais profundo que sequer tem ação.
O medo faz agir e o pânico deixa sem ação.
Com medo ou sem medo não devemos parar, pois à medida que formos experienciando, desenvolvendo domínio sobre nós mesmos e sobre as situações, vamos adquirindo mais confiança e vendo a coragem surgir com mais frequência. A coragem é temporal, ela só existe no presente. Não é porque se foi corajoso uma vez que se será para sempre, então para que ela se manifeste nas situações do presente ou futuras de necessidade, é necessário fazê-la acontecer novamente. Daí então entra a capacidade e entendimento individual de cada um em relação às suas questões.
Passa-se o tempo e o treinamento das crianças continua. Os meninos numa rebeldia só! Sempre provocando quedas, avanço de sarjetas, constante gritaria de como se equilibrar ou não. A garotinha obediente, segue à risca o treinamento de postura, balanço de corpo, impulso em cada perna, grau de abertura dos patins, força aplicada, centro de gravidade deslocada, posicionamento dos braços etc. Graciosamente o seu movimento começa a se assemelhar a uma dançarina olímpica de patinação no gelo. Na sua graça, na sua coragem, determinação, dedicação e leveza atinge o seu objetivo.
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Lembro-me do dia em que ela chorou por uma queda mais forte. O seu instrutor chegou próximo dela, ajoelhou-se e disse:
- “Vamos garotaaaaa! Tu és forte! Levanta-te! Mostre para você mesma que tu podes! Não se importe com as risadas dos seus irmãos. ”
- “Tio não quero mais. Isso é para os meninos...”
- “Quem disse isso? ”
As quedas são inevitáveis no processo de aprendizado de qualquer coisa que se quer conquistar na vida, indubitavelmente. Não há conquistas sem antes tentar e tentar e tentar... O treinamento desenvolve a capacidade de se dominar o desconhecido. Assim como o domínio das emoções, dos sentimentos e do próprio corpo, no caso da garotinha dos patins. Fugir das situações ou do treinamento nos torna mais fracos e vai limitando tudo a nossa volta, até mesmo nosso espaço psicológico. Nos tornamos reféns do medo e consequente fracasso. Não se realiza o prazer de experimentar o sabor da superação e preenchimento do ser com a conquista da coragem. Tudo requer treinamento, persistência, força de vontade, num trabalho constante de construção diária.
Após a queda mais forte, a garotinha tentou se levantar por mais duas vezes. O instrutor mais uma vez ensina a posição correta para se levantar. Na terceira tentativa ela se equilibra, ameaça outra queda e numa reação de defesa, num reflexo aprendido se abaixa e assim, passo a passo ela foi criando e fortalecendo a segurança em si mesma.
Quaisquer mudanças na vida ou nos hábitos são fardos pesados, são medos que surgem. Porém, quando não se é trabalhada a questão, é morrer no “tanto faz”, é deixar que a vida seja conduzida para qualquer caminho que seja. É estar cedendo ao medo e se aprisionando nas manipulações e nos limites impostos pelas coisas que cercam e rodeiam sua realidade.
Como essa linda garotinha, hoje, depois de algum tempo, vejo-a andando sobre os patins suavemente pelas ruas, leve como um voo de um falcão-peregrino, veloz como um guepardo, passos de uma bailarina de Bolshoi. Isso foi acontecer porque recebeu instruções corretas, não se deixou abater pelas tantas quedas que teve, se abriu a treinamentos persistentes e constantes; e o mais lindo, ela criou a coragem de enfrentar o medo.
Diante das questões que nos apresentam a vida, a imprudência é fator determinante para os sofrimentos que aparecem. Há a hora certa para tudo, saiba andar ou parar na hora certa, saiba se retrair ou se expor na hora certa.
Acomodar-se é perecer na razão direta da vida.
Sem pressa, sem atropelos o bom senso da prudência nos obriga a refletir, a deliberar, a escolher percebendo os detalhes importantes, mantendo o domínio e o controle de si mesmo.
Com a segurança e o domínio da razão, sua decisão
conduzirá à ação.
Depende de você!
Coragem!!
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Staff que trabalha para as Crônicas chegarem até você
• Cronista e filósofo neo
Otavio Yagima
• Coautora
Maria Hisae
• Narração
Patrícia Ayumi
• Artes
Thiago Martins
• Edição
Leonardo Fernandes
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