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Foto do escritorOtavio Yagima

Crônica #83 | O Fantasma da Ópera.

Atualizado: 15 de ago. de 2023

Pode a nossa alma ser desfigurada?



I. Da Ópera Garnier à Broadway.


Paris, a alguns anos atrás, e parados em frente à Ópera Garnier. Nos entreolhamos, eu e minha esposa, e com um sorriso, sincronicamente, verbalizamos: “O Fantasma da Ópera!” Imediatamente os nossos pensamentos nos transportaram a um passado, na cidade de Nova York.


Ópera Garnier, antiga Ópera de Paris, local onde se passou a história do Fantasma da Ópera. Livro publicado em 1910 pelo francês Gaston Leroux, consagrado com essa obra na literatura gótica.

O Fantasma da Ópera, de livro a filme e musical, um mito moderno, um clássico da literatura francesa.


O livro inspirou a criação do musical em Londres, em 1987, por Andrew Lloyd Webber, compositor e autor do musical; com Charles Hart e Richard Stilgoe na criação das suas tão belas e significantes letras das músicas. Desde a sua estreia então, está em cartaz permanente, já quase perto de completar quatro décadas. Assistido por mais de cem milhões de pessoas, classificando-o como o musical mais visto de toda a história. Espetáculo de sucesso extraordinário, posteriormente apresentado em 27 países ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Na época, nossas filhas ainda adolescentes, tiveram também o privilégio de prestigiar o espetáculo.


Agosto de 1998, estávamos na cidade de Nova York. Mais precisamente andando pela Times Square, Broadway, onde impera aquela energia frenética e vibrante, cheia de cores, luzes, imagens gigantes, e um alucinado número de pessoas transitando pelas ruas. O musical Fantasma da Ópera se mostrou imperdível e lá estávamos nós, deslumbrados diante do requinte e impressionantes detalhes de todos os cenários, luzes e personagens. O som limpíssimo que penetrava nas nossas almas, saindo por todos os nossos poros, fazendo arrepiar dos pés à cabeça, com suas fortes e marcantes músicas. Simplesmente inesquecível!!


II. Entendendo o mito.


Paris, 13ª opera house, magnificamente projetada: Ópera Garnier, construída entre 1861 e 1875. Essa bela Ópera teve sua construção estruturada em cima de canais de água, que compunham todo o seu subterrâneo.


Um bebê que nasceu com deformidade física, rejeitado, abandonado por todos, e pela sua própria mãe: Erik. Diante da rejeição materna carrega cicatrizes emocionais profundas, sofrendo com o trauma da sua feiura e desfiguração. Vive e cresce marginalizado, praticamente como um fantasma, nos subterrâneos da Ópera Paris.


Sua desfiguração pode ser interpretada como um símbolo desse sofrimento interno. Ele, sem muito saber, tenta lidar com a sua dor e insegurança, através da busca pelo controle sobre as pessoas dentro da Ópera. Esse homem desfigurado é possuidor de dons artísticos, um gênio da música. Vivia como se fosse o diretor dali. O Fantasma da Ópera se fazia respeitar como um espírito da arte, atuando com suas vontades, exercendo controle sobre todos os acontecimentos internos do teatro.


Essa dualidade reflete seus conflitos internos, evidenciando seus impulsos sombrios e destrutivos, onde se coloca como uma figura monstruosa e muito cruel. No entanto, ele também é possuidor de um amor profundo pela música, com sua sensibilidade e seus dons artísticos.


O Fantasma da Ópera, vive por trás de uma máscara para esconder a sua deformidade. Mas, nas manipulações e no controle que exerce sobre todos dentro do teatro, nos faz entender também o uso de outras múltiplas máscaras, que se utiliza para impor as suas vontades.


A música Mascarados que acompanha o baile de máscaras, nos lembra bem essa questão. Onde assim diz: “fuja e esconda-se... mas a sua face ainda perseguirá você.” Por mais que nos alienemos, por mais que nos escondamos atrás de uma máscara, nossa verdadeira face, a nossa essência humana sempre vai nos perseguir e nos cobrar. Essa é uma verdade por muitos ignorada, mas que um dia, mais cedo ou mais tarde, todos nós teremos que enfrentar. Afinal, cada qual veio com um compromisso único e intrasferível perante a sua vida, que constitui a base da identidade de cada um de nós.

Quem somos nós: qual nossa verdadeira identidade e nossas máscaras?

Até que ponto, essas máscaras externas, estão refletindo nossa verdadeira essência?


A deformidade e feiura do Fantasma, evidencia o quanto as pessoas são tratadas com base em sua aparência física, onde a beleza externa ainda é muito valorizada. Nem todo rostinho bonito significa bondade ou pessoa de bom caráter. Na nossa trajetória de vida, há que entendermos que em todos os lugares há mais que aparências, e sabermos identificar a verdadeira identidade é de vital importância, para bons e saudáveis relacionamentos.


 

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Carlotta, considerada a cantora diva do teatro era bela, mas não possuía o talento de Christine. Convivemos muito ainda com esse tipo de situação, onde tenta-se prevalecer com a aparência externa, porém, a verdadeira beleza vai muito além da aparência física.


Christine Daaé, órfã de mãe, estava sendo criada pelo pai, spalla de uma orquestra, um grande violonista da Ópera. Com a morte de seu pai, Christine é deixada sob a guarda de pessoas da Ópera. Ela vive ali dentro então, como uma das coristas e bailarina. Porém, como seu pai mesmo lhe disse antes de morrer, cresce sabendo que seria cuidada e protegida pelo Anjo da Música. Christine é uma pessoa bonita, talentosa, sensível, e secretamente nos bastidores, recebe aulas de canto desse suposto anônimo Anjo da Música, ao qual apenas ouve, Erik, o Fantasma da Ópera.


Esse Anjo da Música que vivia nos subterrâneos do teatro, ensinou Christine a sentir a música, trazendo à tona o que ela tinha de melhor, em harmonia, brilho, revelando sua beleza interna como uma verdadeira cantora. Erik assim se assumia, habitante do inconsciente, fazendo aflorar o profundo desejo que ela trazia na sua essência.

Todos nós somos como Christine, essa ponta visível da nossa identidade que vive e convive nesse mundo superficial. E junto, no subterrâneo de nossas mentes, no nosso inconsciente vive Erik, os nossos Fantasmas da Ópera.


Fenômenos assombrosos e estranhos aconteciam, amedrontando todos do teatro. De pequenos assombros até mortes misteriosas.

Durante uma apresentação da diva Carlotta, onde ela perde a voz por um coaxar de sapo; um enorme e pesado lustre cai sobre a plateia, manifestando muito medo e pavor. E então, Carlotta, que era a principal atriz de uma peça, sob as vontades do Fantasma da Ópera, acaba sendo substituída. Entrando em cena a sua escolhida, a sua jovem aluna e cantora soprano, Christine. Brilha com absoluto sucesso na sua primeira apresentação, onde canta com toda a energia de sua alma, desmaiando e sendo socorrida. Encanta os patrocinadores da Ópera de Paris, inclusive entre eles o nobre marinheiro Raoul, o Visconde de Chagny, um amigo de infância de Christine, que a reencontra nessa sua apresentação.

 

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O Fantasma, perdidamente apaixonado por Christine, se torna obsessivo por ela. A extrema solidão vivida, acrescentada do desejo desesperado de estabelecer um vínculo emocional, se expressa em obsessão e possessividade. Deixa transparecer a incapacidade de lidar com a rejeição, e com isso então, exercendo controle sobre ela, mantendo-a em um estado de submissão.


Após se reencontrarem, Christine e Raoul se apaixonam, iniciando um romance. Erik, completamente nutrido por um amor doentio e obsessivo, já via Christine como sua amada; ficando furioso com o seu amor não correspondido. Então, ao mesmo tempo que ele a protege e orienta, manipula e a aterroriza também.


O Fantasma até então, havia mantido Christine voltada para sua essência, havia despertado nela a brilhante cantora que tinha dentro de si. No entanto, agora diante do palco, dos aplausos, das pessoas, e da paixão por Raoul, ela reconhece um outro tipo de mundo. Os prazeres da vida, superficiais, banais ou não, a atraem. E assim, o Fantasma passa a um segundo plano. Não só um triângulo amoroso se instala, mas um triângulo que traz à tona o eu existencial. Diante sempre dos desafios, das escolhas, dos sofrimentos aflorados, perante o elemento regente da decisão a ser tomada. Dúvidas que nos faz lutar, que nos move ou paralisa, ou que nos expande; dependendo da opção a ser decidida.


Christine então se divide entre esses dois mundos, Erik e Raoul, o futuro e o passado.

Sentindo ser puxada por essas duas forças opostas; de Erik representando a força da mudança, e Raoul a força da inércia. E sentindo seu sonho interior morrer, para viver sua nova paixão.

Num ato quase de desespero, vai ao cemitério buscar pelo seu pai. Leva nas mãos flores vermelhas, contrastando com o cinza reinante de todo o cemitério. Talvez, carregando o vermelho como um grito sufocado, que pudesse restaurar a energia e trazer de volta o seu sonho, o sonho que seu pai havia deixado para ela.


A vontade de se fazer escolher o que a alma nos pede, é algo que na maioria das vezes, se esbarra num forte muro de resistência. O caminho da alma é penoso, exige mais força e determinação, e sempre, a hesitação aparece no meio trazendo as dúvidas. Duas vozes que nos falam, e não sabemos qual é a verdadeira. Se estivermos atentos, vamos perceber que aquela que nos levará a um crescimento como ser humano, sim, essa será a voz do Anjo da Música.


Raoul traz para Christine uma relação com o seu passado, um território seguro já vivido com o seu pai, trazendo de volta aquela forma de viver que parecia mais segura, uma situação conhecida, uma zona confortável. Raoul seria então essa nossa vida de superfície, com as paixões que ela nos apresenta e nos oferece. Ao se optar por ele, teria uma vida exterior invejada, posição social com título de nobreza, comodismo e conforto material. No entanto, precisaria abandonar a carreira, morreria como cantora, apagando a luz que mantinha acesa a sua essência.


Christine, com a ajuda de Erik, já estava caminhando de encontro à sua essência, ao seu autoconhecimento, à sua expressão como cantora. No entanto, ainda com espaços desconhecidos a se explorar, causando nela medo e insegurança.

Fato esse muito comum, que acontece a qualquer um de nós.

Quem não tem medo nenhum do desconhecido?

No entanto, se não o enfrentarmos é provável que fiquemos estagnados, presos sem poder caminhar.


Erik, aquele desejo vital que vem da força interior, a força criativa, o desejo real de nossa alma. Ao ser renegado, pode se tornar agressivo e furioso. Sintonizando então desequilíbrios, doenças, medos e destruições ao longo do caminho. Em muitos momentos, o Fantasma da Ópera nos passa uma imagem de monstro aterrorizante, matando o operador das cordas do teatro, o manipulador; o cantor vaidoso, matando sua vaidade. Estaria ele matando os elementos internos, os aspectos da personalidade de Christine, para que ela pudesse chegar até ele?

No nosso caminhar, precisamos exterminar também muitas coisas dentro de nós, muitos elementos retardadores de crescimento; o egoísmo e o orgulho, por exemplo.


O pai de Christine, ainda em vida, já a induzia em relação ao seu grande futuro, quando dizia que um dia ela encontraria o Anjo da Música. Significando o seu encontro consigo mesma, despertando a sua alma como cantora.


Nossa essência com o nosso verdadeiro propósito de alma, versus, nossa personalidade já contaminada pelos valores mundanos e superficiais. Difícil luta se trava nas nossas aspirações.

O que escolher?


Uma série de acontecimentos trágicos, misteriosos e incluindo mortes, antecedem o sequestro de Christine pelo Fantasma da Ópera. Ele não aceita o fato dela ter arquitetado com Raoul um plano de fuga, e a mantém como sua refém no subterrâneo.


Esse nosso mundo, sempre esteve repleto de amores não correspondidos, repleto de triângulos amorosos. Muitos se assemelhando com Erik, o Fantasma, que quer a todo custo que seu amor seja correspondido. Perdendo a lucidez em face de sua cega obsessão.


Seria esse o verdadeiro amor?

O amor autêntico liberta ou aprisiona?

Como alcançar a verdadeira liberdade, estando presos em relacionamentos ou situações opressivas?

Onde está o limite? E até que ponto essa obsessão pode ser justificada, levando em conta as consequências negativas que ela sempre provoca, para ambos os lados?

Podemos perder a liberdade, em nome de um suposto amor, ou de uma segurança?


Raoul, determinado a salvar Christine, tem um confronto aterrorizante com o Fantasma nos subterrâneos da Ópera. Erik, esperando que ela venha a amá-lo, quer forçá-la a se casar com ele. Na recusa diz que vai destruir o teatro com explosivos.


Para salvar Raoul, Christine decide casar-se com o Fantasma. Erik então o liberta da sua câmara de tortura. Num momento a sós, Christine levanta a máscara para beijá-lo na testa. Erik confessa que nunca se sentiu tão próximo de outro ser humano, e que nunca recebera um beijo, nem mesmo de sua própria mãe; e são tomados por uma forte emoção. O dois em prantos, cujas lágrimas se tornam uma.

No entanto, não era ainda o momento de Christine se unir profundamente com o seu próprio ser, com o Fantasma da Ópera. Ela ainda olha para trás e deseja Raoul. Sua vida anseia pelas experiências do mundo das paixões, que somente ele poderia proporcionar.

Por perceber o quanto Christine estava disposta a se sacrificar por Raoul, o Fantasma decidiu por não o matar. Christine casa com Raoul.


O teatro pega fogo.

Depois de muitos anos, Raoul já envelhecido, visita o túmulo de Christine, já falecida.

Encontra em cima do seu túmulo uma rosa, a rosa vermelha do Fantasma da Ópera.

Raoul a olha, e entende que nesta vida a peça foi encerrada, mas que eternamente o Fantasma da Ópera perseguirá Christine, até conquistá-la.


Eis a rosa vermelha, símbolo de vitalidade, de beleza e até de mistério, para te envolver e te atrair para dentro da sua esfera. A esfera da sua alma, do seu destino final, da sua única e verdadeira essência.

A nossa essência nos perseguirá eternamente, até que consigamos amá-la. Produzirá tudo o que for necessário nas nossas vidas, para que despertemos para a sua existência.


Nos versos da música “Think of me”, o Fantasma da Ópera assim diz a Christine: “Lembre-se de mim de vez em quando. Por favor, prometa-me que irá tentar. Quando achar aquilo que tanto deseja, venha buscar o seu coração e fique livre.”


Um dia haveremos, todos nós, de buscar o nosso coração, de buscar o que realmente importa e anseia as nossas almas, abandonando as nossas sombras, e nos fazendo banhar pela luz que rege a esfera da nossa essência.

Livre estaremos das amarras que nos prende a esse mundo de dualidade, despertando para um mundo de absoluta beleza e liberdade, com sua feliz expressão de harmonia e de paz.


 

Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.

 

Confira a última crônica da nossa coleção - Crônica #82 | Treinando a compaixão.

 

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Nosso cronista Otavio Yagima fez uma participação especial, e o encontro está imperdível; confira no player aqui embaixo e também visite as demais postagens no YT da neo!



 

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