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Foto do escritorOtavio Yagima

Crônica #82 | Treinando a compaixão.

Atualizado: 15 de ago. de 2023

Simples e singela, a poderosa gentileza!



I. A gincana.


Dia 01 de maio, em comemoração ao Dia do Trabalho é feriado nacional aqui no Brasil, e em muitos outros países. Esta data traz recordações de nossas infâncias e juventude, onde tudo era mais mágico.


Na comunidade oriental, é realizada nesta data um tipo de gincana, a que chamamos de undokai. Seria um tipo de confraternização sócio esportivo entre as famílias, onde se pratica a convivência em meio às divertidas atividades, envolvendo todos, desde as crianças até os idosos. Geralmente ocorre num campo aberto. Nossos pais levavam obentô, que eram lanchinhos à moda japonesa: bolinhos de arroz, omeletes adocicadas tipo rocambole, empanados, conservas variadas, enfim, de sabor único e peculiar aos japoneses. Era uma verdadeira festa, e pela sua dinâmica reinava um astral enérgico, muitos risos e alegrias entre as crianças e as famílias.


Hoje, ainda temos esses undokais. E então, em uma das minhas participações fiquei mais atento observando os comportamentos, e tudo o que girava em torno disso. Agora, não mais com aquela energia de criança ansiosa pelas atividades, pude sentir além da energia vibrante que envolve uma gincana, a energia da fraternidade cobrindo a grande comunidade. A alegria se mantinha no ar, apesar do espírito de competição e disputa reinante nas atividades. O objetivo de qualquer um ali seria vencer, sair vitorioso, individualmente ou em grupo, e ganhar os respectivos prêmios.


Seja em que época for, a questão de se estar na frente dos demais, é sempre exaltado e aplaudido pela sociedade. Por mais que se crie uma realidade de educação em nossos lares, de não valorizar apenas aquele que foi classificado como o primeiro, a linguagem lá fora é outra. E então perdura a competição acirrada, seja na escola, nas empresas, ou mesmo nos relacionamentos. E os parâmetros para tal, são os mais variados que se possa imaginar. Muitas vezes, são desprezados os verdadeiros valores em nome de querer ser o melhor, de querer ser o primeiro.


Vale tudo para a conquista de riquezas e poderes, efêmeros, porém aclamados como absolutos e necessários. Persiste assim a cultura do egoísmo, onde primeiro é para mim e depois para o outro. Primeiro para os meus, e nada para os outros. Exemplos de tais atos não faltam, e infelizmente temos hoje um individualismo tal, que parece ser o elemento central da filosofia dos tempos modernos.


O egoísmo é uma forte raiz de muitos problemas do nosso mundo.


II. A netinha.


Um amigo de longa data estava presente. Animados, trocamos recordações dos velhos tempos.

Entusiasmado ele aponta:

- “Olha lá minha netinha, está se preparando para a corrida!”

A garotinha dá um tchauzinho, e se posiciona na linha de partida.

O juiz voluntário dá o grito de largada: - “Yoooooiiii, don!!”


Nesse momento, tudo pareceu transcorrer em câmera lenta.

A garotinha parte com olhar fixo na faixa de chegada.

Para ela, é apenas uma corrida, independente da vitória ou não.

Porém, sem ela, a corrida não teria muita graça para os pais e avós.

Para o Universo ela representa uma existência.


Seu bonezinho branco, ameaça escapulir pela ação do vento. Segura-o firme.

Às vezes, o controle de tudo parece se perder pela força externa, mesmo assim seguimos rumo ao objetivo. A netinha vai ficando para trás em relação às outras participantes, mas ela não se desespera.


Meu amigo começa perder a esperança dela conquistar um lugar no pódio. Num ato de incentivo se levanta, e numa torcida vibrante grita o nome dela. Num compassar constante e contínuo, segue seu caminho demarcado pela linha pintada no chão. De repente se coloca à frente das demais, e sua persistência e garra começam a dar sinais de vitória. Ele fica animado e continua a alegre torcida.


Eis que quase próximo da linha de chegada, sua coleguinha que estava em primeiro lugar, tropeça e cai. Antes do voluntário ir ao seu socorro, a netinha para, agacha, conversa algo, levantam-se, e seguem juntas para a final. Naturalmente que foram ultrapassadas pelas demais, perdendo então, a chance da vitória.


 

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III. Empatia, gentileza e compaixão.


A pureza e a bondade da netinha fizeram meu coração sorrir.

Empatia, gentileza e compaixão, que nobreza!! Um ato que deverá ser valorizado, para que essa criança cresça e não perca esse tesouro, que reconheçamos, muitas crianças já o perderam. Perderam quer por erros na educação, quer pelo ambiente ou condições em que vivem, quer pelos valores que defendem seus pais, ou pelo egoísmo a que está acostumada. Inúmeras são as razões que levam às distorções, ao entendimento equivocado dos reais valores que enobrecem as nossas vidas.


A verdadeira compaixão é assim desenvolvida, de forma espontânea e sem condicionais, tal qual foi a da netinha. Uma atitude envolvendo qualquer expectativa de receber algo em troca, não é compaixão, é uma negociação, atrelada mais a um protocolo social.


Num mundo tão competitivo como o atual, onde muitos lutam por um mesmo espaço, onde se faz uso da violência na disputa de querer tirar do outro o sucesso a que se almeja; não se tem como ser empático, gentil, e muito menos ser compassivo. Nós vivemos tão voltados e preocupados com nossas necessidades, que à nossa frente apenas se projetam os desejos, e a disputa para se chegar a tal. Uma disputa inconsequente leva a um caminho contrário, e todo caminho contrário um dia evidenciará e fará tropeçar nos seus próprios percalços. Sofrimentos inevitáveis projetar-se-ão como consequência dos valores feridos. A busca egoísta da felicidade à custa da dor de outros, trará tão somente dores, solidão e sofrimentos posteriores; não haverá espaço para ser realmente feliz. Não existe a possibilidade de driblar as Leis que regem as nossas vidas.


Cabe a nós a decisão de desenvolver e treinar as ações, alinhadas com a realidade de uma genuína felicidade. Aos mais céticos, podemos afirmar que os resultados que nos apresenta a Neurociência hoje, nos ajuda a acreditar mais, auxiliando no despertar da consciência para o bem. É muito benéfico para nós, a prática da generosidade e da gentileza.


O mundo atual carece muito de gentileza e de compaixão.


 

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IV. Gentileza.


Na maioria das vezes, nada custa uma gentileza. Apenas a boa vontade de oferecer um sorriso, gratidão, respeito, um bom dia, uma ajuda num momento de necessidade. Um ato espontâneo de bondade pode abrir as portas de nossos corações, nos fazendo entender o que é empatia, e já nos colocando na postura de ação, exteriorizando a dinâmica da compaixão.


Na sua etimologia, gentileza vem do prefixo gen, e significa dar à luz, trazer à luz. Todos nós, seres humanos, temos latente no nosso interior a bondade, a generosidade, a fraternidade. A gentileza condiz então em trazer à luz, trazer à tona, fazer manifestar esse poder latente, que faz parte da nossa própria natureza humana. A bondade e a fraternidade se expressam através dos nossos atos de gentileza.


“Gentileza gera gentileza.” Essa expressão ficou bastante popular no Brasil, através do Sr. José Datrino, conhecido como o Profeta Gentileza, que andava pelas ruas distribuindo flores e palavras de gratidão. Muitos o chamavam de louco, ao que ele respondia, “sou maluco pra te amar e louco pra te salvar!” Entendia como missão propagar a gentileza, e assim o fez. Escreveu um livro a céu aberto nas pilastras do Viaduto do Caju, na entrada do Rio de Janeiro. Uma de suas frases diz “A gentileza é como a criança que há dentro de nós, basta deixá-la existir.”


A gentileza é simples e singela.

“Nenhum gesto de gentileza, por menor que seja, é perdido”, assim dizia o Profeta Gentileza. Dessa forma deixou sua mensagem de esperança, ansiando por um mundo melhor para se viver.


O dinamismo e a música vindo dos alto falantes, e o movimento de vai e vem das crianças. A energia no ar é vibrante. Todas as crianças recebem algum prêmio, de acordo com a classificação na atividade. A netinha veio correndo, trazendo nas mãos o que havia ganhado pela participação na corrida. Sentou-se no colo do avô, que lhe ofereceu um pouco de água. Pegou sua sacolinha que já continha vários outros prêmios recebidos, e sorria com bastante alegria.


Curioso para saber o que se passava na cabecinha da garota, perguntei por que não continuou a corrida; afinal poderia ter chegado em primeiro lugar. Ela parou de mexer nos seus prêmios, olhou para mim e respondeu:

- “Tio, ela caiu e chorou... e machucou o joelho, e doeu. E então eu fui ajudar ela.”


Sua mãe que ali estava, imediatamente a elogiou, dizendo ter ficado muito feliz pela ajuda que deu à sua coleguinha. E assim recebeu um gostoso abraço, em meio às palavras de incentivo e carinho, minhas e dos seus avós.


Empatia, gentileza e compaixão: precisam ser treinados.

Ainda nos falta consciência para expressar, na sua totalidade, a nossa verdadeira natureza humana. Portanto, os treinos são necessários.


Uma criança que desde cedo é educada com princípios, com respeito, amor e elogios, incentivada a exercitar e praticar esses elementos, crescem já desenvolvendo uma inteligência socioafetiva. Muito provavelmente será uma pessoa saudável, amorosa e equilibrada.


V. Compaixão.


Uma simples postura de sentir dó ou sentir pena, ou ter uma intenção de ajudar, ou mesmo ter o sentimento de empatia pela dor do outro, não é compaixão. Podemos entender compaixão como uma consciência solidária em relação às dores e angústias, nossas ou dos outros, e onde há o desejo e a ação de aliviar tais sofrimentos. Portanto, a compaixão não é passiva, a sua postura é de ação.


O alicerce na construção da compaixão é a compreensão.


Entender que todos os seres não são iguais, mas sofrem de forma semelhante; compreender o outro dentro do seu respectivo limite. Onde então assim, nasce a ajuda verdadeira que sai pela porta do coração, envolvidos em carinho, em cuidado, em respeito, em perdão, com generosidade, gentileza e amor.


Todos nós temos essa habilidade humana de forma intrínseca. Porém, para que ela adquira qualidade é preciso ser exercitada; e geralmente não estamos atentos a isso. A nossa mente está muito voltada aos barulhos do mundo que nos rodeiam, onde predomina o padrão individualista.


Sabemos que somos possuidores de uma essência Divina, onde apenas o bem habita. Porém, sabemos também que as nossas mentes são invadidas por pensamentos cruéis, e nada compassivos. Somos possuidores de todos esses elementos; de ignorância a muitos aspectos, de compreensão, de compaixão, de amor, de ódio, de raiva etc.

Tudo habita concomitantemente o nosso ser.

A escolha do elemento que deverá prevalecer, é inteiramente, de responsabilidade de cada um de nós.

Não importa o tempo, podemos iniciar o nosso processo de treinar a compaixão.

O caminho a ser percorrido não promete passes de mágica, e sim, um passo a passo consciente rumo ao amadurecimento.


Existe uma linha de pensamento que diz, que se quisermos que os outros sejam felizes, devemos praticar a compaixão. E que se quisermos nós mesmos ser felizes, que também pratiquemos a compaixão. Não havendo portanto, a separação da nossa felicidade com a felicidade do outro.

Seria a prática do amor e da compaixão, a fonte da felicidade. Uma das poucas práticas, que nos traria felicidade, de forma imediata. O néctar da compaixão, suscitando estado de serenidade e um profundo grau de paz e alegria, duradouros.


O sol já estava quase se despedindo no horizonte. Todos nós, em mutirão, arrumamos o local; limpando e carregando nos caminhões, os equipamentos utilizados. Finalizando com o recolhimento de todas as bandeirinhas, e então um último lanche foi servido.

As crianças brincavam com os prêmios recebidos.

Eram bolas, bambolês, carrinhos, pipas, doces, pura alegria eternizando aqueles momentos.


VI. A lição.


Amizade, gentilezas e fraternidade, presentes no feliz convívio daquele dia.

Por nós e através de cada um de nós, se inicia o poder de propagação: da empatia, da gentileza e da compaixão.


 

Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.

 

Confira a última crônica da nossa coleção - Crônica #81 | 2023: Uma odisseia na Terra.

 

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Nosso cronista Otavio Yagima fez uma participação especial, e o encontro está imperdível; confira no player aqui embaixo e também visite as demais postagens no YT da neo!



 

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