Lagartixa não voa!
Crianças no escorregador, nas balanças, e girando numa velocidade de tirar o fôlego, fazendo do gira-gira um torpedo de vórtice de energia alucinante. E nós adultos sentados à sombra de grandes árvores, num agradável momento de bate papo descontraído. Costumamos, após o almoço, fazer nossa sesta nesse ambiente gostoso, em meio à generosa natureza que nos oferece o clube de campo. Entre mães e pais, avôs e avós, a nossa conversa corre solta. De tudo se fala ali, e é evidente que muitos dos assuntos são elas, as crianças que ali estão.
Na inocência própria da fase infantil elas vivem imersas nas alegrias, nas brincadeiras, no momento presente; indiferentes à realidade hostil que a vida reserva para todos nós, seres humanos em evolução.
De repente, uma disputa da vez de balançar faz uma das crianças chorar. A mãe corre em seu socorro, resolvendo pacificamente a situação. Participando daquele cenário tão comum na vida de qualquer criança, nossa amiga, mãe de um casal de filhos, nos faz uma colocação.
- “É tão comum e natural essas briguinhas das crianças, e logo elas estão novamente brincando e rindo. Essa semana, na escola de meu filho, uma das mães compartilhou a triste notícia de uma criança de nove anos, que verbalizou ter muita vontade de se matar. O que vocês imaginam que faz uma criança, nessa fase ainda tão colorida, perder a cor e a graça pela vida?”
Em meio à calorosa discussão que se instalou, automaticamente voltei aos meus nove anos de idade. Lembranças e saudades são pertinentes, porém, refleti no quanto de elementos daquela época, ainda carrego comigo até hoje. Desde as pequenas coisas até aquelas mais marcantes. Tudo fez parte do processo de desenvolvimento, trazendo também as referências que nortearam as escolhas dos caminhos da vida. Por pequeno que seja, nada do que nos acontece é desprezível. Poderá ser uma placa sinalizadora indicando que caminho rumar.
Nossos filhos, nossas crianças: o que é importante que passemos para elas?
A formação de um ser humano é algo tão valioso quanto a vida que concedemos a ela.
Na falta de um curso de formação para sermos pais, e como navegantes de primeira viagem, apelamos para nossa intuição, e vamos nos adaptando conforme forem surgindo as necessidades. E assim vai-se prosseguindo com a vida, em meio às múltiplas atividades que precisamos desempenhar ao longo das horas, dos dias, dos meses e dos anos. E que fase corrida da vida é essa, convenhamos, não há tempo que baste. Porém, aos pais mais conscientes e atentos às verdadeiras necessidades de um ser humano, haverá sempre uma procura mais focada para as questões, até mesmo, se iniciando na fase da gestação. Seria perfeito se assim fosse com todos. Uma criança desejada e amada desde o início, já nasceria nesse mundo com este acolhedor bálsamo para a sua alma.
Nossa amiga mãe, que também é uma pedagoga, nos fala dos inúmeros problemas atuais que atormentam tanto os filhos como os pais. Coloquei-me muito atento às suas colocações, pois também passamos por essa fase e, acredito, sobrevivemos bem. Precisamos sobreviver, não nos resta alternativa, uma vez que optamos por nos tornar pais ou tutores. A questão da falta de tempo dos pais para com seus filhos, as infinitas influências e informações que consomem dos ambientes digitais existentes; os próprios casais e muitas vezes a família toda, desconectada em função das redes sociais. O tempo e dias perdidos consumindo instagram, facebook e outras tantas distrações, podem fazer nascer o descompromisso, relegando a segundo plano as tarefas consigo mesmo, com os filhos e até com a própria vida.
Somando-se a isso, os diversos tipos de configurações de famílias que se tem atualmente, abrem questões profundas a serem resolvidas. Filhos do primeiro casamento, do segundo, da separação, da convivência juntos, de um novo casamento, enfim, são bem variadas as situações do mundo moderno. E com elas, desafios antes não imaginados.
Sabemos que a personalidade da criança é composta de uma construção gradativa, onde se mesclam os componentes genéticos e psicológicos, e aos poucos, depois, somam-se os componentes dos valores familiares, sociais e culturais. A educação recebida é de suma importância para a sua saúde mental.
Quer saber mais do podcast das Crônicas? Veja aqui onde encontrar o primeiro episódio da segunda temporada.
Uma garotinha que brincava sozinha com seu balde e pazinha na areia, gentilmente divide seu brinquedo com uma nova amiguinha. Uma das avós diz em voz alta:
- “Muito bem Duda, que gostoso brincar com sua nova amiguinha!”. E a criança lhe devolve as palavras com um singelo sorriso. O filho quando educado com afeto e com elogios nas suas atitudes corretas, cresce em direção à essa luz. É importante para a criança se sentir olhada e valorizada; o elogio tem a capacidade de extrair do seu interior, todo potencial positivo que habita em seu ser.
Assim como a escola tem uma programação do que passar para os seus alunos, durante um certo período específico, nós pais também deveríamos ter um planejamento do conteúdo, que queremos passar para os nossos filhos. Havendo uma diretriz clara a seguir, de acordo com o desenvolvimento e potencial apropriado para a idade de cada filho, muito se pode caminhar para uma formação feliz e consciente.
A convivência na família se faz de vital importância, pois é o olho no olho, o observar, o sentir, que trarão as percepções necessárias para um saudável crescimento.
Haverá erros? Sim, haverá!
Não somos perfeitos, mas temos o dever de despertar em nossos filhos o bem, as virtudes, os reais valores que se espera de nós seres humanos. Nossos filhos são dádivas divinas, que vieram e estão temporariamente sob a nossa guarda, então merecem todo o nosso carinho e todo o nosso amor, e assim devem ser direcionados e educados.
Uma das crianças ali brincando, ainda vestida com o uniforme escolar, me leva ao primeiro dia de aula da minha filha mais velha. Com carinha de dúvida, não entendendo a nova realidade, tudo observa com curiosidade. Com o coração apertado, aquele primeiro dia parecia interminável. Mesmo com choro esse momento é necessário, e é um marco na vida da criança. Minha segunda filha, em seu primeiro dia de escolinha, entra de mãozinhas dadas com a irmã mais velha. Mais tranquila e segura, pois a sua protetora está ali, a lhe guiar. Linda e inesquecível cena das duas pequeninas, que até hoje aquece o coração. A união e a amizade das duas é algo muito singular, que creio, será levada para a eternidade.
A escola tem um papel fundamental, mas a verdadeira educação para a vida, começa e é formada na família, dentro de suas bases, com suas raízes de valores, que influenciarão a vida como um todo.
O convívio sempre pautado e rico em diálogo, onde prevalece o cuidado, o carinho, o respeito; respeitar e ser respeitado. As diferenças humanas que existem no nosso mundo, em todos os níveis, serão respeitadas caso o respeito for algo natural dentro da família. Assim como o respeito a qualquer tipo de vida; seja de vidas animais ou das plantas, ou até mesmo de objetos.
Tudo tem o seu valor, e somos nós pais, que os conscientizaremos disso. O que for cimentado na infância se refletirá na vida adulta. O semear com sabedoria florescerá conforme sua razão. É de fácil entendimento ilustrar à uma criança que a sua colheita será conforme o que plantou. Semeando flores colherá flores, se plantar tomate colherá tomate, e assim analogicamente com seus pensamentos, as suas ações e as suas atitudes.
Para as crianças, é preciso que haja coerência entre o que os adultos dizem e como eles se comportam, ou como agem, pois elas percebem muito bem como somos; a intuição é reveladora. Tentar ensinar uma coisa e agir se comportando e vivendo de maneira contrária, não servirá como exemplo para elas. Portanto, se quisermos que nossos filhos sejam pessoas corretas e virtuosas, haveremos que viver isso cotidianamente.
O nosso exemplo é a base sólida em que eles, muitas vezes observando de forma até inconsciente, vão alicerçar os valores e princípios vivenciados. O compromisso e a reponsabilidade de educar uma criança, nos faz naturalmente sermos pessoas melhores, faz revisarmos atitudes e valores, para que através de nós, elas possam ser pessoas do bem, bondosas, empáticas, verdadeiras e honestas. Com isso, nós pais, crescemos muito junto com nossos filhos, pois todo processo de educação a eles, nos faz alunos, antes mesmo deles.
Leia a Crônica anterior a esta, caso ainda não tenha visto: Crônica #71 | O Impacto da Culpa
Diferente da época das minhas filhas pequenas, hoje estamos inundados de fontes de informações pela internet, e as crianças lá estão, muito antenadas. Filtros serão necessários, assim como fundamentação.
Estamos num momento planetário muito interessante, assim como interessantes estão as crianças que estão chegando. Elas nos surpreendem com seus questionamentos avançados, e se não estivermos alertas, podemos dar alguns tropeços. A sinceridade e o aprender junto com eles exige tempo, e também disposição.
Lembro-me de uma situação simples, mas que me deixou paralisado por uns instantes, devido a minha indiferença àquele momento. Minha filha estudava sobre a era dos dinossauros, e perguntara como reconhecer um animal que voa. Eu simplesmente respondi que todo bicho que bota ovo, voa.
Recebi um troco violento e imediato dela:
- “Mas pai, lagartixa não voa e bota ovo!”
Me peguei perplexo, rindo de mim mesmo e admirado pela rapidez de raciocínio de minha filha. Nas nossas rotinas corridas, somos muitas vezes vencidos pelo cansaço que a vida nos reserva, porém, não nos esqueçamos que mesmos nas pequenas coisas que fazemos diante deles, estamos passando um ensinamento.
Em geral, os conflitos estão intimamente ligados à incapacidade que se tem de conviver com os outros, seja em que plano for, pessoal, na família, ou na sociedade. Uma rica convivência dentro da família, através das participações dos filhos nas tarefas da casa; um arrumar de cama ou o organizar dos brinquedos, os fazem se sentir úteis e orgulhosos. Simples atitudes tomadas desde cedo, despertando que a organização eleva o sentido de bem-estar. Ou que o trabalho feito em equipe, com irmão, primos, amigos e coleguinhas de escola, podem elevar e gerar grandes resultados. Envolvidos na divisão de trabalho, união, e então a sociabilização, o espírito de colaboração e de inclusão nascem naturalmente. Quando da chegada da idade adulta, já estará pronta para uma melhor convivência; e a empatia já estará inserida nos seus valores.
Muito se fala em limites, e realmente, o dizer não é absolutamente necessário para que possam entender quais são e até onde vão esses limites, sem os quais não haverá crescimento sadio. Nem sempre o filho vai poder fazer tudo o que quer. Sendo reconhecida e respeitada a hierarquia dentro da família, entra a função dos pais, que é exatamente estar ali impondo e ensinando o que é certo e errado; até que o filho adquira competência intelecto moral para fazer suas próprias escolhas.
A permissividade total ou excessiva, muito provavelmente criará adultos frustrados. Sabemos que o nosso mundo não suporta os incompetentes, e a vida humana é carregada de todos os tipos de frustrações. Os filhos privados de passar por frustrações e ou dificuldades, acabam se tornando frágeis, podendo perder a capacidade de suportar o mundo e suas adversidades. Importante papel dos pais é o auxílio para eles no suporte e enfrentamento das frustrações, desde a mais tenra idade, ajudando-os e não privando. As normas de condutas e de valores adquiridos certamente os guiarão, tornando-os independentes, capazes, e com autonomia total para conduzir sua própria vida, sem a nossa presença.
A gentileza cultivada nos sentimentos de empatia, que gera a paciência para com o nosso semelhante, possibilita sua abertura ao leque de sentimentos humanos. A empatia que pode levar à prática da expressão de sentimentos, muito ajuda no próprio desenvolvimento. As emoções e os sentimentos não entendidos e não digeridos adequadamente, caminham trazendo na bagagem doenças psicossomáticas; o que certamente terão suas consequências e suas dores. A pessoa que sabe expressar seus sentimentos, poderá ser mais facilmente ajudada e abordada para um devido apoio.
Um dos pais ali presentes se levantou chamando seu filho, que ao ouvir disse ao seu amiguinho que seu pai ia ainda trabalhar; e prontamente se despediu, sorrindo, dos demais ali presentes. O compromisso com o trabalho demonstrado de maneira natural pelos pais, sem reclamações e de maneira positiva, provavelmente despertará nos filhos a sua devida importância, e o seu valor dentro do crescimento de vida de cada um. O trabalho nos enobrece, e é de papel fundamental que o desempenhemos com alegria e gratidão.
Para nós que estamos na fase de vovô e vovó, já conseguimos com maior facilidade valorizar e viver o momento presente, como aquelas crianças no convívio com os amiguinhos, em meio à natureza e de maneira tão intensa; sendo feliz no agora, sem a ansiedade e a busca da felicidade fora ou no amanhã.
Utopia ou não, neste momento planetário e neste plano dimensional em que vivemos, uma família perfeita está longe de existir. No entanto, há sim famílias harmoniosas, conscientes do seu papel e que vivem numa egrégora de amor e gratidão. Vivendo dentro das regras simples de convivência, onde estão presentes os pequenos gestos de um cotidiano; um bom dia, um muito obrigado, um por favor, um sorriso sincero, gestos de delicadeza com grande poder de transformação. A simplicidade na vida familiar está ao alcance de quem quer que seja. O despertar para essa necessidade é o ponto de partida.
A paternidade e maternidade, nos proporciona uma das experiências humanas mais fascinantes que existe. E essa experiência maravilhosa, se estende a todas as pessoas que se propõem e se responsabilizam pela educação de um filho, seja um tio, um avô, um padrinho, ou qualquer outra pessoa que carrega no coração, a vontade de fazer a diferença na vida de uma criança.
A criança, que desde pequena, cresce num lar onde se tem uma cultura de afeto, onde o amor e o carinho são vivenciados de forma verdadeira e simples, terá muito mais chances de se tornar um adulto feliz e realizado.
Onde existe o amor existirá o diálogo, a escuta, a compreensão, o respeito e a empatia como princípios de convivência; assim como a presença da espiritualidade e da gratidão.
A espiritualidade, abrindo os campos do entendimento e compreensão da transitoriedade da vida, auxiliando no discernimento do nosso propósito existencial.
E a gratidão, por si só, já nos fazendo pessoas mais felizes e plenas!!
Que tal baixar e compartilhar trechos dessa crônica com a galera?
Time Crônicas
Você já conferiu o último vídeo do neoPod lá no YouTube do Portal? Nosso cronista Otavio Yagima fez uma participação especial, e o encontro está imperdível; confira no player aqui embaixo e também visite as demais postagens no YT da neo!
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