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Crônica #127 | O farol.

  • Foto do escritor: Redação neonews
    Redação neonews
  • 20 de mai.
  • 9 min de leitura

Atualizado: 2 de jun.

A luz que mostra o caminho.


Capa da Crônica #127 | O farol.
neOriginals Crônicas

O que você encontrará nesta crônica:


"A vida, às vezes, vira um mar agitado. O mundo gira rápido demais, e somos tomados por pressões, urgências e um fluxo de informações que chega de todos os lados. Ficamos perdidos, sem rumo e sem chão. Surge o desejo por um sinal claro que aponte uma rota segura. Mas, no turbilhão das ilusões, confundimos atalhos com direção, acreditando que qualquer brilho aponte o caminho certo. Só que brilho não é luz, e nem tudo que brilha realmente nos guia. Conseguimos reconhecer o farol silencioso, interno ou externo, que indica escolhas autênticas? Ou seguimos distraídos, guiados só pelas aparências?"




I. A senhora da luz.


Há dias que chegam com um silêncio diferente. Aquela sexta-feira amanheceu clara, curiosamente sem o vento frio da noite anterior; talvez o próprio clima também tivesse pressentido a ausência.

 

Na sala do velório, o tempo desacelerava, como se a própria vida silenciasse, em reverência, para que velássemos aquela despedida. Diante de nós, repousava o rosto sereno de uma senhora de 99 anos, com o corpo envolto por crisântemos brancos. Nossa querida e amada Batyan (avó) havia partido. Como quem apaga suavemente a vela ao fim de uma celebração que iluminou muitos caminhos. E não por falta de chama, mas porque sua missão estava cumprida.

 

Para quem teve o privilégio de cruzar o seu caminho, ela era alegria em forma de gente. Um semblante sempre risonho, mesmo com o cansaço que a idade impunha. Sua presença iluminava qualquer espaço com uma luz que vinha de dentro, como um pequeno e singelo farol. Ali, em silêncio, percebi: ela havia sido um farol em vida. Um desses que não impedem a tormenta, mas estendem a mão e oferecem consolo durante a travessia.

 

E então, como uma maré interna, a lembrança me arrastou de volta àquele mar. Não um mar simbólico, mas o real, que banha Rio do Fogo, perto de Natal, no litoral do Rio Grande do Norte, onde, tantas vezes, entre areias e histórias, ancoramos nossas férias.

 

Uma cena, em especial, ganhava agora novo sentido. Pois ali, naquela paisagem de areia, sal e silêncio, eu tivera um encontro com outro tipo de luz. Lembrei-me do farol. E, por fim, compreendi o que ele sempre tentou me dizer, sem palavras.

 

O tempo estava perfeito. O som ritmado do motor fez minha mente se perder na beleza e imensidão do mar. Lá estávamos nós, em um pequeno barco, conduzidos por um senhor de fala mansa e olhar fixo no horizonte. Navegávamos rumo ao Parracho – como são chamadas, por ali, as formações de recifes de corais e pedras submersas, que só aparecem durante a maré baixa. Distante aproximadamente 25 km da cidade litorânea, o mar parecia um infinito e vasto azul. Nossa única referência era um ponto ainda invisível na linha do céu: um farol.

 

À medida que avançávamos mar adentro, ele surgia e desaparecia entre as ondas, como se piscasse para os atentos, e se escondesse dos distraídos. Agora, no velório, aquela imagem retornava como resposta à minha pergunta silenciosa: o que é ser farol?

 

Ao nos aproximarmos, a solidão daquela estrutura se tornava cada vez mais clara e imponente. Erguido no meio do nada, o farol parecia se fundir com o oceano. Uma sentinela sustentada pelo mar. O silêncio me envolveu; apenas o som das ondas quebrando contra o casco do barco podia ser ouvido. Em meio a essa quietude, minha visão concentrou-se no isolamento daquele farol, distante da terra firme, longe da presença humana. Pensei: um farol não precisa de público ou plateia. Não brilhava para ser visto; brilhava para que os outros não se perdessem.

 

E então, algo no ar cortou minha introspecção. Uma linda borboleta azul surgiu, voando em pleno alto-mar. Como uma mensagem do além-mar, apareceu e desapareceu, seguindo em direção ao farol. O mistério de sua presença nos deixou maravilhados. E assim, em um silêncio encantado, fomos nos aproximando do nosso destino. O barco finalmente parou, e a mansidão daquela imensa piscina natural nos envolveu por todos os lados.


Com a maré baixa, a água estava calma. A luz do sol dançava sobre o fundo e os peixes coloridos brincavam entre os recifes. Um verdadeiro espetáculo subaquático se somava à beleza do farol, não muito distante dali. Boiando naquelas águas cristalinas, era impossível não perceber a delicadeza e a leveza daqueles momentos. Sob nós, os parrachos, firmes e silenciosos, passavam despercebidos aos olhos apressados.

 

Pensei: submersos dentro de nós, também não teríamos nosso parracho interior? Um conjunto de verdades firmadas pela nossa alma, que não se movem com as ondas, não se desfazem com os ventos, nem se curvam às tempestades. Aquelas virtudes sem voz, mas com presença. Nossas silenciosas bases de luz que, sem fazer ruído, sustentam a vida.

 

Enquanto a embarcação flutuava sobre aquele santuário marinho, eu meditava sobre as verdades que existem em nossas vidas e que, como os parrachos, só se revelam quando a maré baixa. Quantas forças invisíveis nos sustentam por dentro, sem pedir reconhecimento ou atenção? Fé, esperança, coragem silenciosa — tudo isso também é recife. São verdades que emergem nas perdas, no luto, no gesto sem plateia. Essas forças interiores não se impõem. Elas apenas são. E, por serem, sustentam, iluminam, servem. A fé nos guia através das dificuldades. Pode não acalmar as tempestades, mas age como um farol que ilumina os caminhos da alma. Nos assegura que, mesmo nas piores tormentas, algo dentro de nós permanece firme, ainda que a dor persista.

 

Quantos, naquela sala de velório, estariam mergulhados em silêncio nessas verdades? Diante da presença da morte, tudo isso se torna ainda mais nítido: olhar para dentro, medindo a profundidade da própria vida. A ética que se mantém firme quando não há ninguém para testemunhar. O perdão oferecido sem que seja pedido. A paciência que se prolonga sem qualquer reconhecimento. Esses recifes firmes, ocultos sob as ondas da vida, são os que sustentam nossa existência - nas marés baixas e nas altas - mesmo quando ninguém os percebe.


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Il. Nos domínios do farol.


Com a cabeça fora d’água, minha visão procurava e envolvia aquele farol. Havia algo além da sua estrutura que me chamava a ele. Parecia desgastado pelo tempo. Uma obra humana, imóvel e fixa sobre uma base sólida, e, ainda assim, móvel em sua missão. Ignorado pela maioria, reconhecido apenas por aqueles que se perdem no mar. E nós, marinheiros da vida, quantas vezes ignoramos um farol até nos vermos perdidos no mar?

 

Ele não precisa ser visto para cumprir sua função. Sua luz, constante e silenciosa, não se apaga por falta de reconhecimento. Só é notada quando é preciso reencontrar o rumo. Seu valor, portanto, ganha sentido apenas quando a escuridão se instala e o medo ameaça desorientar. O farol não brilha por si; ele apenas gira, e irá lembrar que, mesmo na escuridão mais densa, há sempre um caminho. E esse caminho é guiado pela luz. Sua luz não conduz diretamente; apenas ajuda a perceber por onde não seguir. Portanto, não comanda rotas, apenas indica riscos. E é nisso que está sua grandeza: servir em silêncio, mesmo quando o mundo parece valorizar o que faz barulho. Não busca prestígio. Sua missão é simples e única: emitir luz. Mesmo sem reconhecimento, mesmo quando tentam apagá-lo, ele continua a brilhar, incansavelmente. Da mesma forma, aqueles que caminham na presença da luz sustentam, em silêncio, o delicado equilíbrio entre ser e ter. São como faróis: não impõem, apenas iluminam.


Você tem dado valor àquilo que verdadeiramente te guia ou apenas ao que momentaneamente te impressiona? Consegue distinguir quem ilumina de dentro, daqueles que só brilham na superfície?

“Veja como ele é bonito, não é?!” comentei, com os olhos fixos no farol.


“É... até que é. Mas é pequeno, meio gasto pela maresia. Hoje é só ponto turístico, né?” – respondeu, sorrindo, meu amigo, sem entender o que eu via. Mas eu via.


Aquele farol não era bonito apenas por sua estrutura ou por toda aquela bela paisagem que o envolvia. Ele era belo e profundo por sua missão silenciosa, invisível e imutável. Por resistir, apesar do desgaste da base pela maresia, das intermináveis ondas de desilusão e dos muitos ventos de indiferença. E resistia não apenas por ser forte, mas por ser fiel ao que nasceu para ser.


Um farol não discute com as trevas. Apenas acende. E é nesse simples ato que se revela a verdade que muitas vezes tentamos ignorar: há luz, mesmo quando tudo parece escuro demais.

 

Em sua quietude sagrada, pulsa uma sabedoria que os homens raramente compreendem: a de dedicar-se ao bem do outro. Sua fortaleza está na constância, não na aparência. Ele não fala; orienta. Não julga; guia. Sua forma, sem arestas, carrega uma lição silenciosa: oferece luz para todos, em todas as direções, como se sua missão fosse a mesma em cada face. Como quem compreende, profundamente, que a luz deve alcançar a todos, sem preferências ou atalhos. Por isso, não julga, não escolhe quem salvar. Apenas permanece. Ali, entre o céu e o mar, ele ensinava sobre a nobreza de uma existência que não exige elogios: basta-lhe cumprir o que veio fazer.

 

Ele se posiciona de forma insignificante na imensidão do mar, mas possui uma reponsabilidade grandiosa. Jamais se opõe às tempestades, nem aos raios e trovões. Não é senhor para controlar a fúria das ondas. Ele apenas resiste. Serve. Fiel à sua função. Não prende ninguém ao seu alcance; apenas ilumina e deixa seguir. E então compreendi, com aquela imagem solitária no mar, que sua beleza está no permanecer luz, mesmo quando tudo ao redor se apaga.

 

Depois de longas horas desfrutando daquele paraíso, era tempo de voltar. Enquanto o barco se afastava lentamente, distanciando-se daquele santuário de luz e sal, uma parte de mim permanecia ali, ancorada na imagem solitária do farol.

 



lll. Luzes que guiam.


Volto, com o coração apertado, à senhora de 99 anos que velamos.

 

Conhecendo a vida da Batyan, a singela senhora que ali se despedia, reconheci nela um pequeno farol que a muitos iluminou. Pequena em tamanho e frágil aos olhos do mundo, mas gigante na missão que carregava. Discreta em sua presença, nunca precisou ocupar o centro para ser referência. Não buscava ser o centro, mas, de algum modo, todos gravitavam ao seu redor quando o mundo escurecia. Tal qual o farol, ela também emitia luz. Sem ofuscar, muitas vezes apenas aquecendo. Uma fé tranquila, uma presença modesta e uma alegria genuína. Era farol em gestos: ouvia com atenção, olhava com carinho e falava com ternura. Sua luz não se apagou com a morte. Espalhou-se. Como um brilho que atravessa a neblina e ilumina o caminho. Nunca precisou buscar reconhecimento; apenas viveu com fé, leveza e amor. E mesmo agora, com os olhos fechados, sua luz ainda alcançava cada um de nós que ali a velávamos.

 

Naquela despedida silenciosa, algo em mim se acendeu.


Foi quando, diante do mar e do movimento das águas, compreendi: aquele farol que eu observava ao longe não estava tão distante assim.

 

Todos nós carregamos um dentro do peito. Uma luz que não disputa espaço, mas insiste em brilhar - mesmo quando ninguém a vê, mesmo quando as tormentas parecem maiores que tudo. Ainda assim, ela gira, ilumina, ama. Essa luz, que alguns chamam de fé, outros de alma, e outros ainda de Centelha Divina, é o farol que nos mantém firmes.


Talvez a verdadeira questão não seja a espera por milagres ou por uma mudança repentina no mar. Talvez o mais urgente seja reconhecer, ou até mesmo descobrir, onde estão as luzes que nos guiam quando tudo escurece. E sobretudo, também, perguntar a nós mesmos: temos coragem de ser essa luz na travessia de alguém?

 

Foi então que pensei nas presenças que tocaram minha vida. Nas vezes em que alguém me estendeu a mão. Em quem, simplesmente, esteve ali, presente, buscando entender as profundezas da minha dor. Nas palavras ditas sem a pretensão de acertar, mas preciosas pelo momento difícil.

 

Foram faróis – humanos, imperfeitos como todos somos, mas absolutamente essenciais na delicada arte de iluminar sem invadir, de sustentar sem exigir.

 

Por vezes, o que salva não é a calmaria do mar, mas a persistência de uma pequena luz que insiste em brilhar lá no meio da tempestade, recusando-se a apagar.

 

Ser farol, afinal, não é iluminar o mundo inteiro. É, talvez, permanecer aceso quando tudo parece apagar, garantindo que, mesmo em meio à escuridão, alguém ainda possa encontrar um sentido. Às vezes, basta uma única faísca para que se revele o norte, mostrando que o caminho nunca deixou de existir, apenas esperava ser visto com outros olhos. E, nesse instante, até o coração mais cansado pode reencontrar sua direção interior.

 

Você tem algum farol em sua vida?


Ou, talvez, já tenha sido o ponto de clareza no processo de alguém?

 

Porque, no fim, seremos lembrados pela luz que acendemos no outro, pelo abrigo que fomos na escuridão de alguém.

 

A senhora de mãos gentis e olhar sereno havia sido um farol em muitas vidas. Pode não ter sido por feitos grandiosos, mas por manter sempre acesa a chama de sua luz interior.


Não seria esta, afinal, a mais profunda e verdadeira medida da existência humana?

 

Brilhar, com humildade e firmeza, durante o breve tempo que temos neste mundo.


E deixar, como legado imortal, um rastro de luz que permanece mesmo após nossa partida.

 

O que, afinal, você acredita que permanece de nós quando tudo o mais se apaga?






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