Crítica | Until Dawn
- Redação neonews
- há 1 dia
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Until Dawn é uma adaptação que troca fidelidade por autenticidade e acerta justamente no que outros filmes de game erram

(Foto: Divulgação)
Until Dawn – Noite de Terror é um daqueles raros casos em que a liberdade criativa prevalece sobre a reverência cega à obra original, e isso funciona a favor da experiência. Dirigido por David F. Sandberg (Annabelle 2, Quando as Luzes se Apagam), o longa da PlayStation Productions abandona qualquer tentativa de parecer sofisticado, fiel ou mesmo coerente, abraçando o caos criativo e o terror sem vergonha — literalmente. É uma adaptação que, ao rejeitar o game de 2015 como roteiro e referência direta, encontra sua própria identidade como um filme trash de looping temporal que só quer se divertir… e assustar, claro.
A trama segue Clover (Ella Rubin), uma adolescente marcada pelo desaparecimento da irmã, que parte com amigos para o misterioso Vale Glore. A ideia era refazer os últimos passos da irmã, mas a viagem se transforma em um pesadelo sobrenatural regido por regras que se revelam aos poucos: se todos morrerem antes do amanhecer, o ciclo recomeça — mas só por um número limitado de vezes. Com criaturas bizarras, mortos-vivos e espíritos rancorosos à espreita, o grupo precisa entender as peças do quebra-cabeça para sobreviver à noite. A única âncora com o jogo original é o enigmático personagem de Peter Stormare, que aqui, como no game, funciona mais como oráculo do destino do que como peça narrativa central.
Tecnicamente, Until Dawn é uma colagem de estilos e influências que não se preocupa em ser refinada. A fotografia brinca com cores saturadas em alguns momentos e penumbra total em outros, criando uma estética que remete tanto ao horror gótico quanto ao slasher oitentista. As maquiagens são intencionalmente grotescas e artificiais, e os efeitos práticos — quando surgem — são deliciosamente exagerados. Sandberg conhece os clichês do terror e os usa como quem monta um parque de diversões temático: tem jumpscare, tem corpo explodindo, tem velha assombrada de olhos brancos, tudo isso ao som de uma trilha pulsante e dramática que quase ri de si mesma.
A narrativa, estruturada em ciclos, transforma o filme em uma espécie de roguelike cinematográfico. A repetição dos eventos, sempre com alguma variação ou descoberta nova, prende a atenção de quem está acostumado com a linguagem dos jogos. É como ver um streamer insistindo em zerar uma fase difícil: há tensão, frustração e uma pitada de humor involuntário que só torna a experiência mais divertida. A lógica interna do mundo pouco importa — o que importa é que cada tentativa revela mais uma pista, mais um destino trágico evitado ou repetido. O sentido é sacrificado em nome da sensação.
Ainda que trate de temas pesados como o luto, a culpa e a dor psicológica, o filme jamais tenta ser profundo — e isso é um mérito. Ao invés de forçar arcos emocionais artificiais, Until Dawn entrega Clover como uma protagonista reativa, determinada e, acima de tudo, humana em meio à loucura sobrenatural. Ella Rubin segura bem o papel, mesmo com um roteiro que exige mais gritos e correria do que nuances dramáticas. O restante do elenco funciona como estereótipos ambulantes do terror: o valentão, a medrosa, o engraçado... mas todos cumprem seu papel com energia e até um certo charme canastrão.
O que faz Until Dawn brilhar é justamente sua recusa em se levar a sério. Enquanto outras adaptações de games tentam parecer filmes “de verdade”, esse aqui não esconde sua alma de parque de horrores interativo. Ao contrário do jogo original — que queria ser cinema — o filme quer ser videogame. Quer ser exagerado, imprevisível, ridículo às vezes. E nesse processo, encontra uma honestidade rara: ele sabe que é uma história de sustos rápidos e mortes criativas, e não finge ser nada além disso.
No fim, Until Dawn não vai mudar a forma como vemos filmes de terror ou adaptações de jogos. Mas vai divertir quem topar entrar no espírito. É uma bagunça, sim, mas uma bagunça autoral, carismática e cheia de personalidade. Em um gênero saturado por fórmulas e por adaptações preguiçosas, é justamente essa liberdade absurda que faz dele um destaque inesperado. O resultado? Um filme “horrível” — mas no melhor sentido possível.
Ficha Técnica
Nome: Until Dawn
Tipo: Filme
Onde assistir: Cinemas
Categoria: Terror
Duração: 1 hora 43 min
Nota 3/5