O filme Aqui é uma viagem técnica e emocional confinada a um único lugar, mas que tenta abarcar o mundo

(Foto: Divulgação)
"Aqui", o mais recente trabalho de Robert Zemeckis, é um exercício ousado tanto em narrativa quanto em técnica cinematográfica. Adaptado da graphic novel de Richard McGuire, o filme desafia as convenções ao ser ambientado em um único aposento ao longo de séculos de história. Porém, enquanto a direção de Zemeckis e as atuações de um elenco de peso, como Tom Hanks e Robin Wright, brilham em vários momentos, a ambição do roteiro de Eric Roth frequentemente supera sua execução.
A maior força do filme reside em sua direção técnica impecável. Zemeckis, conhecido por seu pioneirismo no uso de efeitos visuais, emprega aqui uma abordagem teatral combinada a tecnologias de rejuvenescimento e envelhecimento digital para retratar os personagens ao longo das décadas. O trabalho da diretora de arte Ashley Johnson e do montador Jesse Goldsmith é notável, permitindo transições fluídas entre épocas, enquanto a casa – o verdadeiro protagonista do filme – se transforma com o tempo. A câmera estática, que nunca abandona o ponto de vista da sala de estar, desafia o público a buscar os detalhes nas sutis mudanças de cenário e atmosfera.
Entretanto, essa ousadia técnica nem sempre se traduz em profundidade narrativa. O roteiro de Roth, embora ambicioso, tropeça ao tentar posicionar seus personagens como testemunhas ou participantes de momentos historicamente marcantes. Essas escolhas, que poderiam adicionar camadas ao enredo, acabam soando artificiais e forçadas, desviando a atenção do espectador das questões mais íntimas e humanas que o filme tenta abordar. Ao invés de enriquecer a história, essas conexões históricas muitas vezes evocam uma reação de ceticismo, enfraquecendo a autenticidade emocional do filme.
Por outro lado, o elenco entrega performances que compensam as fraquezas do roteiro. Paul Bettany e Kelly Reilly interpretam Al e Rose, um casal cujas dinâmicas familiares oferecem um retrato convincente das mudanças sociais e culturais ao longo do século XX. Hanks e Wright, como Richard e Margaret, trazem nuances emocionais que tornam suas histórias pessoais tão cativantes quanto os cenários maiores em que estão inseridos. As interações entre os quatro atores oferecem os momentos mais genuínos do filme, destacando o talento de Zemeckis para explorar relações humanas.
Apesar de suas falhas narrativas, "Aqui" apresenta ideias intrigantes sobre o papel da casa como testemunha das transformações humanas e sociais. O filme propõe reflexões sobre o tempo, a efemeridade da vida e a interconexão de histórias individuais com eventos maiores. Essas questões, no entanto, muitas vezes ficam em segundo plano diante da inclinação do filme para exageros históricos, uma escolha que prejudica o potencial emocional e filosófico da obra.
A comparação inevitável com obras como "A Viagem" das Wachowski e Tom Tykwer revela as limitações de "Aqui" em explorar as ligações entre passado, presente e futuro de forma poética e fluída. O escopo limitado, combinado à grandiosidade forçada, impede o filme de alcançar a profundidade desejada. A obsessão de Zemeckis por aspectos técnicos se torna um fardo quando desvia o foco do que deveria ser o núcleo da história: as pessoas e suas complexas relações com o tempo e o espaço.
No final, "Aqui" é um filme que impressiona visualmente e entrega momentos de verdadeira emoção, mas luta para justificar sua grandiosidade narrativa. Enquanto é admirável como experimento técnico e como retrato das performances de um elenco de peso, falta ao filme a coesão e a paixão necessárias para torná-lo memorável. É uma obra que promete mais do que entrega, mas que ainda encontra beleza nas histórias que se desenrolam dentro das quatro paredes de uma sala de estar.
Ficha técnica
Nome: Aqui
Onde Assistir: Cinema
Categoria: Fantasia / Drama
Duração: 1h 44 min
Nota 2/5